sábado, 28 de abril de 2012

Interrogatório da Senhora Júlia


Estava no banheiro, escovando os dentes, quando ouvi uns ruídos na porta, saí do banheiro e corri até ela. Ao destrancá-la, vi um homem caído na soleira da vizinha, corri o olhar no corredor e me deparei com Sofia na soleira da minha porta. Liguei para a polícia, pois toquei o homem com os dedos e senti que ele estava frio, nesse momento gritei, estava de frente de um cadáver e de Sofia toda machucada. Ela estava quase morta, levei-a à sala de emergência do hospital com sinais evidentes de maus tratos.
O homem era o porteiro, que, segundo a vizinha da direita vinha correndo atrás de Sofia tentando salvá-la, porém, coitado, morreu antes de conseguir o intento.
Qual não foi a surpresa de todos quando Julia, principal responsável por Sofia, foi chamada a um interrogatório. O interrogatório durou horas e Julia foi acusada pelo crime logo depois da primeira sessão de perguntas.
O investigador Roberto começou com uma entrevista simples, falando sem intimidações com o objetivo de determinar o parâmetro comparativo das reações de Julia:
Roberto: Que nota você daria a si mesma como mãe?
Julia: Bem, acho que, acho que sou razoável. Quero dizer, não sou muito severa nem rigorosa, sabe como é, eu deixo passar algumas coisas.
Roberto: Como você descreveria a Sofia?
Julia: Ela é uma brincalhona, agitada e muito difícil. Ela vive subindo nas coisas, né? Eu sempre encontro um machucado, um arranhão, essas coisas, nas costas dela.  
Como Julia pareceu estar dando desculpas para as lesões de Sofia e procurando uma justificativa - "ela é muito difícil" - e uma vez que ela estava tomando conta da Sofia no momento em que as lesões aconteceram, Roberto pressupôs a existência de culpa e passou a interrogá-la. Ele partiu para uma sutil confrontação, deixando que Julia soubesse de que modo ela seria descoberta:
Roberto: Há toda uma linha de investigação policial que pode determinar como as lesões aconteceram e há quanto tempo elas existem.
Julia: ... Eu nem sei se vai ser possível descobrir exatamente o que aconteceu porque a única que realmente sabe é ela, né? Não quero ser rude ou coisa parecida, só queria saber quanto tempo isso vai demorar.
Roberto: Bom, como eu disse, uma das coisas que podemos fazer com elas [as lesões] é datar o tempo desde seu aparecimento e dizer se são lesões novas, que acabaram de acontecer, ou se são lesões que já estão começando a sarar; sabe como é, né, os médicos e legistas pesquisam esses tipos de coisas...
Julia: Certo.
Roberto: Você consegue pensar em algum motivo pelo qual eles determinariam se as lesões foram causadas nas últimas 24 horas e por que alguém suspeitaria que você fez isso?
Julia: Exceto pelo fato de eu estar lá, não.
Roberto: Você suspeita de alguém que tenha feito isso?
Julia: Não. É isso que estou tentando te dizer, eu acho muito difícil acreditar que alguém fez isso com ela porque, como eu disse, nós teríamos escutado alguma coisa também, sabe como é...
Roberto: De todas as pessoas que estavam na casa ou foram lá na noite passada, relacione todas aquelas que você garante que jamais teriam feito alguma coisa para machucar a Sofia.
Julia: Eu sei que o Marcos não faria. Sinceramente, não acho que Maria tivesse feito também.
Roberto: Quem poderia garantir por você?
Julia: Talvez o Marcos. Mas veja só, eu não acredito exatamente no que o médico está dizendo e nem que as lesões foram causadas por alguém, seja o que for.
Roberto: Como a senhora consegue ser tão fria e perdendo tanto tempo só para se defender da acusação de uma gata que sofreu maus tratos e que caiu ao ser jogada de cima de um telhado?

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