sexta-feira, 27 de abril de 2012

A pergunta

Ainda atordoada, não entendendo o que eu fazia ali, já havia feito o depoimento do ocorrido.
Era para ser um excelente dia de compras ‘sapatos, sapatos e maaaaiiisss sapatos’ numa cidade do interior de São Paulo. Tinha obtido a informação pelo rapaz da recepção do Hotel, onde me instalaria junto com três amigas, nessa charmosa cidade. Disse-me ele que aquele Hotel era o mais próximo do Shopping onde congregava mais de 300 lojas só de calçados femininos, um sonho para qualquer mulher com gosto refinado para sapatos como eu.
E agora estou aqui frente a um homem de nariz grande e reto, rosto fino assim como seu bigodinho, sem contar da barbicha, óculos de lentes redondas. Suas feições me fazia lembrar um dos personagens de Sítio do Pica pau Amarelo, o Visconde de Sabugosa de Monteiro Lobato – era o Delegado.
Ele estava calmo e de fala mansa, porém, bastante precisa, e eu trêmula, pois teria que dar respostas à muitas dúvidas que não só eu as tinha:

Delegado (Sr. Gomes, mas ainda eu não sabia do nome dele): A sra...

Eu: Sta, por favor!

Delegado: Tudo bem, tudo bem...a sta poderia me explicar com detalhes o que o motorista da van estava fazendo caído na sua porta?

Eu: De novo?

Delegado: Agora Sta seu depoimento será oficial, pois tudo o que a sta. disser será registrado pelo escrivão.

Foi aí que percebi o rapaz atrás de uma mesinha no canto esquerdo da sala. Ele era gordinho e bem branquinho, estava vermelho e com rosto molhado de tanto suor, assim como a sua camisa salmão. O calor estava insuportável!

Eu: Esses protocolos me matam...tenho tantas coisas para resolver...quer dizer...coitado do ‘seu Osmar’, fizera um preço tão camarada para nos levar  de São Paulo  até ao Shopping de calçados que fica em Jaú...quer dizer, deu desconto porque eu insiti muito! Uma boa consumidora pechincha sempre! O Sr conhece a cidade de Jaú?

Delegado: Estou esperando a resposta Sta...Sta...
Percebi o tom de impaciência do delegado e logo fui respondendo:

Eu: Soraya, meu nome é Soraya e o sr?...

Delegado: Pode me chamar de Gomes – e apontou para seu crachá - Mas ainda aguardo sua resposta.

Eu: Sim, sim, claro!  - fazia calor, e meus longos cabelos escuros, grudavam em meus ombros. O ambiente daquela sala era de tom acinzentado e os móveis escuros, tudo contribuía para que o calor reinasse, nem com os dois ventiladores ali presentes ligados, davam conta de deixar a temperatura do ar agradável – Vou contar tudinho para o sr. para que assim me libere o mais rápido possível, este lugar é horrível de tão quente!

Delegado: Por favor, pode começar, estou a todo ouvidos – disse também sentindo o calor insustentável da sala, usando um lenço para enxugar a testa.

Eu: O sr. quer que eu comece de qual parte? Pois eu acordei hoje pela manhã animadíssima, pois ia com minhas amigas a uma cidadezinha do interior comprar sapatos e...

Delegado: Comprar sapatos numa cidade do interior? – ele parecia achar estranho minha fala.

Esbocei um largo sorriso, pois quando o assunto é calçado, eu, eu, eu... saio de mim e, por segundos fechei os olhos e imaginei os mais diversos de modelos e de cores. Hummm... que alegria....

Delegado: Sta.! – ele levantou um pouco a voz e saí daquele devaneio maravilhoso, mas um pouco assustada.

Eu: Oh! Desculpe-me delegado, mas hoje seria o dia mais feliz dos últimos oito meses.

Delegado: Por quê?

Eu: Como eu dizia... eu e minhas três amigas tínhamos combinado de fazer compras de calçados, e tudo estava certo. Elas iam comigo, porque da última vez que fui não as convidei, isso tem oito meses. E o sr sabe, não é delegado, quando uma mulher chega de sapatos novos e lindos e suas amigas ficam sabendo que não participaram do evento com você, elas ficam magoadíssimas - foi aí que percebi o olhar meio que 'bravo' do delegado e emendei: -    mas isso não importa! O que realmente importa é que acordei pela manhã animada, nem dormi direito de tanta ansiedade...

Delegado: Ansiosa? - O delegado parecia impaciente.

Eu: Sim... eu ia comprar sapatos sr Delegado, sapatos!!! O sr já se imaginou estar num lugar onde todas as lojas são só de calçados? O sr já imaginou algo assim? Já sr Gomes? Sapatos... sapatos...

Delegado: Sta. Soraya... e o motorista da van...é sobre ele que quero que a sta me fale.

Eu: Ah, sim! Eu ainda estava no banheiro, ia me preparar para o banho quando a campainha tocou, pensei que fossem minhas amigas, pois tínhamos combinado de sairmos de casa. Essa parte eu já falei né? – o delegado fez um gesto com as mãos para que eu continuasse, ele já suava. E eu já não sabia se suava de calor ou porque estava nervoso comigo. Continuei: - Estranhei um pouco, pois ainda estava cedo.

Delegado: Cedo?

Eu: Sim, cedo. Minhas amigas nunca são pontuais, eu também não sou, mas... tudo bem, também eu tinha acordado mais cedo.

Delegado: A que horas marcou com o rapaz da van?

Eu: Marcamos de sair às 8h, então disse que ele estivesse em casa 15min antes.

Delegado: Que horas eram quando tocaram a campainha de sua casa?

Eu: Hummm... eu acordei às 6h35min, olhei o relógio, vi que era cedo ainda – naquele momento, fechei os olhos, e fui falando tudo que lembrava devagar – mesmo assim levantei e fui ao banheiro, estava feliz (sapatos...sapatos...), eu só pensava que partilharia um momento  de compras com minhas amigas. Abri o chuveiro e enquanto ele esquentava, comecei a colocar o creme em meu rosto e em seguida a escovar os dentes – nesse momento abri os olhos - eu sei que esta não é uma atitude sustentavelmente correta, mas eu estava meio que sonada e 100% feliz! Não prestei muito atenção no que fazia. E quando eu enxaguava minha boca a campainha tocou.

Delegado: Que horas eram?

Continuei devagar sem dar a resposta objetivamente:

Eu: Enxuguei meu rosto, e aí, lembrei-me do creme, que raiva, sujei a toalha limpinha... é muito ruim ser interrompida no meio de um processo matinal, concorda?

O delegado ouvia meu depoimento já um pouco inquieto na cadeira. Mas a culpa não era minha, afinal, fora ele que me perguntara o que tinha ocorrido.

Eu: Andei até a porta destranquei a fechadura e de repente... oh meu Deus!!! Alí estava ‘seu Osmar’ caído, bem na soleira da minha porta! Levei o maior susto, olhei para os lados e não vi ninguém, ele estava sozinho, caído... esta cena jamais vou esquecer! Abaixei e pensei apenas que ele tinha desmaiado, e imaginando porque chegara tão cedo em casa. Comecei a chorar, como estou agora, quando vi que ele estava morto mesmo. Oh meu Deus! E corri para o telefone para avisar alguém, minha cabeça estava atordoada, não sabia o que fazer e, resolvi ligar para a polícia... 

Coloquei as mãos no rosto, na verdade, minha cabeça parecia que ia explodir. Quando daria continuidade a minha narrativa, o escrivão perguntou:

Escrivão: E o chuveiro? Ficou ligado o tempo todo?

Eu: Ih! Esqueci-me do chuveiro!

2 comentários:

  1. OLá Claudia!
    Adorei seu texto, até eu fiquei aflita!!kkkkk
    Já imaginou um caso desses em um lugar cheios de sapatos!!!Meu Deus!! Mataria o Moço da Van novamente se ele morrece justo na hora de ver os calçados!!!kkkkkk
    Muito criativa!!!!!
    Um abraço!!!

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    1. Não é mesmo Rosi! Dona Soraya teria que pechinchar com outro motorista para poder fazer da sua viagem lucrativa e assim poder comprar mais sapatos, rsss.
      Obrigada por ter comentado.

      Abraço, Claudia.

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