Numa
tarde fria de um domingo de julho, cheguei à delegacia para ser interrogada. Ao
entrar naquela pequena sala, não foi preciso obervar muito o local, pois só
havia uma mesa, três cadeiras e nada pendurado nas paredes, apenas eu e um
investigador estranho, que me observava o tempo todo.
Acomodei-me
em uma cadeira muito desconfortável que me fora indicada, e logo após, ao ouvir
o ruído da porta se abrindo, deparei-me com um senhor alto, forte, tez morena e
de semblante sério. Era o investigador Barbosa, conforme observei no crachá.
Ele logo se apresentou, solicitou meus dados pessoais e em seguida, muito
amigavelmente, começou a me fazer as perguntas:
Barbosa:
Sra. Eloisa, normalmente a que horas costuma se levantar?
Eloisa:
Diariamente, levanto às 6 horas, porém ontem estava com insônia e acabei
levantando um pouco mais cedo, quando olhei o relógio na cabeceira da cama,
este marcava 4h 47min.
Barbosa:
E por que a senhora estava com insônia na noite passada?
Eloisa:
Não sei muito bem, mas, sabe, acordei várias vezes à noite, levantei-me,
assisti um pouco de televisão, voltei para a cama, li um pouco, mas o sono não
chegava, apenas cochilei e então quando via a hora resolvi levantar
definitivamente.
Barbosa:
Qual a rotina que a senhora segue antes de ir para o trabalho todos os dias?
Eloisa:
Levanto, escovo os dentes, tomo uma ducha rápida, tomo o café da manhã e pego o
elevador para o estacionamento. Geralmente, saio do prédio por volta das 6h
50min.
Barbosa:
Ontem foi sábado. A senhora trabalha aos sábados?
Eloisa:
Não.
Barbosa:
Então, porque a senhora disse que resolveu levantar às 4h 47min, sabendo que
poderia permanecer por mais tempo na cama, já que não tinha compromisso nesse
dia?
Eloisa:
Bem... não sei. Mas, me levantei, pois ia dar uma volta até a padaria.
Barbosa:
Numa manhã fria e escura de julho, a senhora levantaria mais cedo para ir à
padaria?
Eloisa:
Sim, senhor. Mas, como pode perceber, eu estava pronta para sair e não cheguei a
ir à padaria.
Barbosa:
Ao abrir a porta do apartamento, a senhora notou algum fato estranho?
Eloisa:
Senhor, o fato mais estranho que notei foi um cadáver caído na soleira da minha
porta.
Barbosa:
Mas, como a senhora tinha a certeza de que era um cadáver? A senhora já sabia
que ele estava morto, antes da chegada da polícia?
Eloisa:
Bem.... Eu coloquei a mão sobre os pulsos dele, e notei que ele estava gelado.
Barbosa:
E o que fez em seguida?
Eloisa:
Liguei para a polícia, obviamente.
Barbosa:
Conforme consta no relatório do crime, quando a polícia chegou, a senhora
vestia um roupão azul e estava com pantufas nos pés.
Eloisa:
Sim.
Barbosa:
Neste depoimento, a senhora disse que estava saindo para ir à padaria. Iria, pois então, de
roupão e pantufas?
Eloisa:
Não, obviamente. Eu ia me arrumar.
Barbosa:
Senhora Eloisa, afinal, a senhora estava ou não estava pronta?
Eloisa:
Confesso, eu não estava pronta. Mas, que diferença isso faz? O senhor suspeita
que eu, uma senhora distinta, possa ter dado cabo à vida daquele belo rapaz?
Barbosa:
A senhora chegou a vê-lo?
Eloisa:
Não muito, ele estava caído sobre o corpo, todo ensanguentado.
Barbosa:
Então, como sabe que ele era um belo rapaz? Não poderia ser um homem mais
velho? Se não chegou a vê-lo, como afirma que ele era um belo rapaz?
Eloisa:
Senhor Investigador, por um acaso, o senhor está suspeitando de mim?
Barbosa:
Senhora Eloisa, sou eu que faço as perguntas. Mas, por hoje basta. Não precisa
dizer mais nada. Está liberada, mas não saia da cidade. Poderemos voltar a
chamá-la novamente.
Eloisa:
Ok, senhor Barbosa.
Sai da delegacia, e até chegar ao carro, quase caí pelo caminho,
estava muito nervosa, as mãos geladas, os lábios pareciam não ter cor, cabelos
esvoaçavam com a brisa do vento, a pele rachava e, só me dei conta de que não
era o meu carro quando ouvi Eleonor e Ágatha me chamando do outro lado.
Atravessei a rua, um carro quase me atropelou e finalmente pude ir embora
daquele lugar horrível.
Profa. Eloisa Furlan